
Os jovens casais sem filhos são constantemente interpelados quando os terão, e os que já os têm quando terão o próximo. A parentalidade é de certa forma vista como um recurso útil dentro do imperativo de felicidade ao qual estamos submetidos. Assim, a maternidade repousa no imaginário popular como algo imerso numa atmosfera mágica ou sagrada, coroando uma vida perfeita, podendo torná-la até mais significativa. Não se pode negar que a chegada de um filho oferece à família a possibilidade de dar continuidade à sua história, mas seria esta a única?
Enquanto alimenta tais fantasias, em geral, o casal se engaja em se preparar financeiramente, pensando em criar as melhores condições para receber o filho desejado, para cercá-lo de tudo que considera essencial do ponto de vista material para o seu crescimento e desenvolvimento saudável. No entanto, em tempos de sobreposição da vida real e virtual, que cria a ilusão da possibilidade da onipresença, muitas vezes o recurso menos disponível quando a criança chega é justamente ele, o tempo. A chegada de um filho impõe o fator imprevisibilidade de modo definitivo. E talvez a primeira pergunta que alguém que queira ter filhos deve se fazer é: quanto de imprevisibilidade a minha vida comporta?
Desde que a criança nasce fala-se dela se referindo a um outro que a precedeu, “ela tem os olhos do pai, a cor dos cabelos da mãe, gosta de macarrão como o tio e de cozinhar como a avó”. Claro que cada família lega aos seus descendentes uma herança cultural e material, mas embora nós saibamos que o filho é um outro, estamos preparados para reconhecê-lo como tal?
Uma criança saudável desenvolverá seus próprios recursos e sua forma de estar no mundo, por isso, muitas vezes seu projeto de futuro talvez não seja dar continuidade ao projeto dos seus pais. Diante disso, é importante questionar-se se você está preparado para acolher este filho, em suas dificuldades e conquistas ainda que eles sejam completamente diferentes daquelas que você desejou para ele. Você se vê como alguém capaz de suportar essa indeterminação?
Estas são perguntas provocadoras que nos fazem refletir sobre este futuro filho ou filha, que ao mesmo tempo que será seu, pois você será responsável por ele ou ela, será também um outro diferente de você. Parece contraditório, mas a parentalidade é um convite para refletir sobre dilemas como estes.